terça-feira

Aula 1 - Introdução

O FOGO NO SISTEMA TERRESTRE

Fonte: Bowman et al., 2009

O fogo sempre existiu na natureza. Os carvões fósseis indicam que os incêndios começaram logo após o surgimento das plantas terrestres há 420 milhões de anos atrás (ma). As plantas e o fogo guardam uma estreita relação desde suas origens, uma vez que elas proporcionam oxigênio e combustível: dois elementos básicos para a existência do fogo. O terceiro elemento indispensável para que o fogo ocorra é uma fonte de ignição, podendo ser produzido por alguns fenômenos naturais como: raios, vulcões, meteoritos, etc. 

A combustão ocorre quando as concentrações de oxigênio atmosférico são superiores 13%. Conforme se observa no gráfico acima, as variações nos níveis de O2 correlacionam diretamente com a atividade do fogo ao longo da história da Terra. Segundo os registros geocronológicos, o período Carbonífero (há 359 milhões de anos) é marcado por um acúmulo de carvões fósseis, indicativo de incêndios maciços. Durante essa época acredita-se que que as concentrações de oxigênio atmosférico ultrapassaram 30%, permitindo que a vegetação queimasse mesmo em condições de umidade elevada. Ao mesmo tempo, o soterramento de carvões e matéria orgânica causado pelas erosões pós-fogo podem ter contribuído para um aumento nos níveis de oxigênio e redução nos níveis de dióxido de carbono atmosférico. Gradativamente, os níveis de oxigênio se estabilizaram de forma progressiva, até alcançarem o valor atual de 21%, durante o Terciário.

Outros fatores que alteram o regime de incêndios corresponde às mudanças na abundância de herbívoros, uma vez que fogo e herbívoros compartilham os mesmos recursos (plantas/biomassa). A abundância de grandes herbívoros mantém níveis baixos de biomassa vegetal, limitando o tamanho e a intensidade dos incêndios. As extinções maciças no Cretáceo-Terciário (dinossauros) e no Holoceno (mamutes) causaram acúmulos significativos de combustível e modificaram os regimes de incêndios. Obs: o elefante atual consome aproximadamente 200 kg de vegetação/dia.

A ocorrência do fogo ao longo da história de vida terrestre nos leva a pensar que o fogo exerceu significativo efeito evolutivo na biota. Contudo, a evolução das adaptações ao fogo ainda precisam ser mais exploradas. Os estudos têm sugerido que o fogo levou à expansão das savanas devido aos feedbacks climáticos (clima influencia a vegetação que influencia o clima), proporcionando condições mais quentes e secas que favoreceriam a vegetação de savana.


Outro fator determinante para o regime de incêndios se refere à espécie Homo sapiens. O avanço das savanas inflamáveis, onde se originaram os hominídeos, possivelmente teve um papel determinante no domínio do fogo pelo homem. Fósseis de hominídeos sugerem que o alimento cozido apareceu por volta de 1,9 milhões de anos atrás (ma), embora evidências mais consistentes só aparecem nos registros arqueológicos após 400.000 anos atrás. Por um lado, o domínio do fogo (há pelo menos 500.000 anos) favoreceu a evolução do homem e das civilizações. 

Desde os tempos mais longínquos da história as pessoas se sentiram atraídas pelo fogo e seu grande poder místico. Além do respeito pelo fogo, pelo seu poder destrutivo, as pessoas começaram a criar mitos e lendas a seu respeito, além de incluí-lo em rituais religiosos, comemorações e diversões. Ainda hoje muitas dessas tradições perduram, como a chama dos jogos olímpicos, nascida na Grécia no ano 776 A.C., a queima de velas em eventos religiosos e as fogueiras das festas juninas, exemplos de como a adoração ao fogo pode se disfarçar em celebrações. O fogo se constituiu num dos elementos mais importantes para o desenvolvimento da sociedade, superior inclusive ao da revolução industrial, que certamente não teria ocorrido sem o fogo. Se não houvesse fogo, a espécie humana ainda estaria restringida a viver nas regiões mais quentes do planeta. Foi através do fogo que o homem pôde caçar com mais eficiência, cozinhar alimentos, produzir ferramentas e armas metálicas, habitar as regiões mais frias da terra, construir máquinas a vapor, produzir motores à explosão, fabricar automóveis e aviões e desenvolver os foguetes que o levaram à lua. Por outro lado, durante os últimos milênios, nós humanos temos alterado a estrutura da vegetação (combustível) e o número de ignições na maior parte do Planeta. 

Com a industrialização e a modernização da sociedade, ocorreram mudanças drásticas na paisagem e no regime de incêndios, devido a uma grande pressão agrícola e pecuária. O aumento das florestas plantadas (sobretudo coníferas) e as políticas de prevenção e extinção dos incêndios contribuíram para um aumento de combustível inflamável. Essas mudanças drásticas, similar talvez às extinções dos grandes herbívoros, juntamente com o aumento de ignições inerente ao aumento da população, e incrementado com o aumento da temperatura (devido ao efeito estufa), tem gerado nos últimos quarenta anos um aumento no tamanho e frequência de incêndios em diversas paisagens. Esse incremento tem ocorrido apesar da intensificação dos esforços de controle e extinção do fogo.

As variações no regime de incêndios não são apenas temporais. Para cada momento da história – incluindo a atual – existem diferentes regimes em diferentes ecossistemas devido à variação espacial dos fatores que determinam os incêndios (estrutura da vegetação, clima, ignições, herbívoros, etc). Desta forma, sabemos que o fogo sempre esteve presente na história da vida, e que as espécies evoluíram juntamente com a presença de incêndios recorrentes. Sendo assim, o fogo contribuiu para moldar as espécies que povoam a terra. Sem dúvida, existem determinados regimes de incêndios que são naturais e característicos de certos ecossistemas. Mesmo assim, parte da diversidade de nossos ecossistemas é explicada pela existência recorrente e previsível de incêndios. Contudo, também é verdade que determinadas zonas estão sofrendo regimes de incêndios que excedem os parâmetros naturais e com graves consequências ecológicas. O manejo Florestal não deveria seguir a eliminação dos incêndios, já que isso é praticamente impossível, além de pouco natural. Pelo contrário, deve-se assumir certos regimes sustentáveis de incêndios e aprender a conviver com eles.



DISTRIBUIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS E O FOGO


Dentre as várias teorias sobre os fatores que determinam a vegetação, a mais aceita é a baseada na disponibilidade de recursos, que por sua vez é determinada por fatores climáticos e nutrientes do solo. O clima exerce o principal controle da distribuição dos principais ecossistemas em uma escala global. Diferentes continentes, com composições florísticas distintas, apresentam fisionomias similares sob "mesmas" condições climáticas. A distribuição dos principais biomas do mundo (deserto, tundra, campos, savanas e florestas tropicais, temperadas e boreais) pode ser predita pelas médias de temperatura e precipitação (Whittaker, 1975 ver figura abaixo).

BIOMAS SEPARADOS POR CONDIÇÕES DE TEMPERATURA E PRECIPITAÇÃO

Nos anos sessenta foi proposta uma nova visão, segundo a qual a vegetação estaria controlada por predadores e parasitas; sem a existência destes organismos os herbívoros consumiriam toda a vegetação e o mundo deixaria de ser verde. À luz da longa história de fogo nos ecossistemas terrestres, sabe-se que os incêndios tiveram um papel chave nos padrões atuais da vegetação. De fato, o fogo é um grande consumidor da vegetação, competindo com os herbívoros pelo mesmo recurso. A distribuição geográfica e as propriedades ecológicas de diversos biomas do globo dependem do regime do fogo. 

O fogo é geralmente subestimado como um agente controlador global da estrutura da vegetação, apesar de ser um elemento comum e predizível em ecossistemas como campos, savanas, vegetação mediterrânea e florestas boreais. Juntas, essas formações suscetíveis aos incêndios, cobrem uns 40% da superfície terrestre. A implicação desses fatos é de que essas fisionomias inflamáveis estão longe ou aquém dos limites impostos pelo clima. Experimentos de exclusão do fogo têm demonstrado a transformação de formações inflamáveis para ecossistemas florestais (o contrário também ocorre). Plantios florestais e introdução de espécies exóticas em ecossistemas inflamáveis também comprovam que a biomassa arbórea nesses ecossistemas não se encontra em seu limite imposto pelo clima. Essas observações sugerem que o fogo pode ser o principal fator determinando a distribuição de diversos biomas, promovendo ecossistemas inflamáveis onde o clima suportaria florestas.

Os modelos de simulação da vegetação em escala global (similares aos usados para predizer as mudanças climáticas) não reproduzem os biomas terrestres a menos que se considere que em muitos ecossistemas os incêndios ocorram de maneira recorrente (ver figura abaixo). 
Fonte: Bond, 2005




FOGO: UM "HERBÍVORO" GLOBAL


Paralelos entre fogo e herbivoria

O processo lento e contínuo da fotossíntese combina o dióxido de carbono, água e energia solar para produzir oxigênio, celulose e outros carboidratos. Esse complexo processo químico dos seres autotróficos, as plantas, garante toda a vida terrestre. O fogo, por meio da combustão, rapidamente reverte o processo produtivo e libera, sob a forma de calor, a energia armazenada pela fotossíntese.

Desta forma, os efeitos do fogo são análogos aos da herbivoria, contudo não se encontram na cadeia trófica da literatura. Apesar de ser tratado como um distúrbio ecológico, o fogo se difere de outros distúrbios (como ciclones e enchentes) por se alimentar de moléculas orgânicas complexas (como os herbívoros) e as converter em produtos orgânicos e minerais. O fogo também se difere da herbivoria por não ter exigências nutricionais (como a proteína) para seu crescimento, possuindo uma dieta de amplo espectro (material morto e vivo). Plantas que são impalatáveis para herbivoria são geralmente combustíveis para o fogo. O fogo também não é limitado por predadores.

ESQUEMA ILUSTRANDO OS PROCESSOS DE FOTOSSÍNTESE E OXIDAÇÃO.

O fogo e o controle do consumidor sobre os ecossistemas

Uma forma de conhecer a importância global dos consumidores (herbívoros e fogo) em relação aos recursos (clima e solo) sobre a vegetação é por meio de estudos que comparam o potencial e o status atual do ecossistema de uma dada localidade. Se um ecossistema diferir muito do limite potencial de seus recursos disponíveis, é um candidato de ser determinado pelo "controle do consumidor", seja ele herbívoro ou fogo (figura abaixo).

Fonte: Bond e Keeley, 2005

Conforme simulações DGVMs (Dynamic global vegetation models), os biomas que mais variam do seu potencial climático são os campos de gramíneas C4 e as savanas, especialmente em regiões mais úmidas como o Cerrado brasileiro e regiões da África. Esses são os ecossistemas mais frequentemente queimados do mundo, sofrendo diversos incêndios por década e até mais de um incêndio por ano. Portanto, o fogo é um grande candidato como "consumidor controlador" de grandes extensões da superfície terrestre. Mudanças passadas e futuras na extensão desses ecossistemas, ou sua composição de espécies, não pode ser compreendida sem o conhecimento da ecologia do fogo. A figura abaixo, mostra ainda que a diferença de vegetação entre o potencial climático e o observado apenas no que se refere à biomassa. As simulações DGVMs não conseguem identificar aqueles ecossistemas em que o fogo altera composição de espécies sem alterar significativamente a biomassa arbórea (ex. florestas de coníferas, florestas de eucaliptos da Austrália). A extensão da vegetação controlada pelo fogo, definida como ecossistemas que são alterados em sua estrutura, composição e função com a ocorrência ou supressão do fogo, portanto, é muito maior.



               CONCEITOS BÁSICOS PARA A DISCIPLINA

Definição do fogo: 

Desenvolvimento simultâneo de luz e calor como produto da queima de materiais inflamáveis;

Fenômeno físico resultante da rápida combinação de oxigênio com um combustível, caracterizado pelo desprendimento de calor, luz e usualmente chama. 


Triângulo do fogo: a reação da combustão demonstra que três elementos são imprescindíveis ao processo: material combustível, oxigênio e calor.



Definição de INCÊNDIO: Fogo sem controle que incide sobre qualquer forma de vegetação podendo ser provocado pelo homem (intenção ou negligência) ou por fonte natural (e.g.: raios). 

Definição de QUEIMADA: Prática florestal ou agropastoril onde o fogo é utilizado de forma controlada, atuando como fator de produção.



               DANOS CAUSADOS PELOS INCÊNDIOS

TABELA 1: Exemplos dos principais incêndios florestais do mundo.

Observe na Tabela 1 os dois incêndios em Florestas Tropicais Úmidas que ocorreram entre os anos de 1997 e 1998 na Indonésia e no Brasil. Esses dois incêndios se relacionam com eventos de extremos climáticos, no caso o El-Niño que provoca secas severas nessas regiões tipicamente úmidas. Acredita-se que com as mudanças climáticas globais, esses eventos sejam cada vez mais severos podendo comprometer esses ecossistemas sensíveis ao fogo (não adaptados à ocorrência de fogo), causando grande mortalidade na vegetação que precisa de décadas para se restabelecer. Faça download das matérias da Revista Ciência Hoje sobre o incêndio em Roraima logo abaixo em Leitura ComplementarOutro grande incêndio ocorrido no Brasil foi o Incêndio do Paraná, em 1963, que destruiu uma área aproximada de 2 milhões de hectares, sendo 20.000 ha de plantações, 500.000 ha de florestas primárias e 1.480.000 ha de matas secundárias, capoeiras e campos (Soares e Batista, 2007).

Os incêndios florestais podem causar diversos tipos de dados às florestas, propriedades e vida humana. Ler mais a respeito no capítulo 1 do livro texto. Os slides da aula são apresentados a seguir:



 Parque Quedas do Rio Bonito, 2011

 Parque Quedas do Rio Bonito em 2011



      INCÊNDIOS FLORESTAIS NO BRASIL: ESTATÍSTICA

Os gráficos apresentados abaixo foram feitos por meio dos dados apresentados por Soares (2009) em um capítulo "Estatísticas dos incêndios florestais no Brasil". O livro pode ser encontrado na Biblioteca Central da UFLA (ver citação em Leitura Complementar). O capítulo em questão se encontra na pasta do Xerox Central.

Distribuição dos incêndios através dos estados (período 1998-2002)

Nos períodos analisados, Minas Gerais ocupou o primeiro lugar, tanto em número de incêndios como em área queimada. O autor explica que isso é devido ao fato de Minas Gerais tem a maior área reflorestada do país, além de apresentar uma estação seca prolongada em maior parte do seu território (aumentando o risco de ocorrência e propagação de incêndios). Vale lembrar que muitos estados não foram contemplados nesse levantamento.

 Distribuição dos incêndios através dos meses do ano:
 Pode se observar claramente que a estação de incêndios no Brasil se estende de junho a novembro, onde se concentra mais de 90% das superfícies atingidas pelo fogo nos períodos analisados.


Causas prováveis de incêndios (gráfico de frequência)


As principais causas dos incêndios são as queimadas para limpeza, geralmente feitas no inverno e início da primavera que corresponde à estação seca (onde o risco de propagação dos incêndios é maior), e os incendiários, que atuam durante todo o ano, mesmo quando as condições não estão muito favoráveis à propagação do fogo.

 Tipos de vegetação atingidos

O maior número de incândios ocorreu em vegetações de cerrado, campo e capoeira. A expressiva área de Florestas Nativas queimadas devido ao grande incêndio de Roraima em  1997/98. Entre as plantações florestais, o eucalipto foi o mais acometido pelos incêndios. Apesar do pinus ser mais inflamável, sua área plantada é significativamente menor em relação ao eucalipto e localizada (geralmente) em regiões menos propícias à ocorrência de incêndios.



LEITURA COMPLEMENTAR (ministrado em aula):

Capítulo 1 do livro texto: Danos causados pelos incêndios.


Soares, R.V. Estatísticas dos incêndios florestais no Brasil. In: Soares, R.V.; Batista, A.C.; Nunes, J.R.S. Incêndios florestais no Brasil: estado da arte. Curitiba, 2009. pp.1-20.


Artigos sobre incêndio em Roraima de 1998 (Revista Ciência Hoje, v. 27, n. 157)
http://dl.dropbox.com/u/5909063/GEF152/roraima98_cienciahoje.pdf

LITERATURA CONSULTADA

Bowman D.M.J.S et al. Fire in the Earth System. Science, v.324, p.481-484, 2009.
http://dl.dropbox.com/u/5909063/GEF152/Bowman_et_al_2009_Science.pdf

Bond, W.J.; Woodward, F.I.; Midgley, G.F. The global distribution of ecosystems  in a world without fire. New Phytologist, v.165, p.525-538, 2005.
http://dl.dropbox.com/u/5909063/GEF152/Bond%2C%202005.pdf

Bond, W.J.; Keeley, J.E. Fire as a global ‘herbivore’: the ecology and evolution of flammable ecosystems. Trends in Ecology, v.20, p.387-394, 2005.
http://dl.dropbox.com/u/5909063/GEF152/Bond_2005_Trends-in-Ecology-%26-Evolution.pdf

Pausas, J.G. Fuego y evolución em el Mediterráneo. Investigacion y Ciencia, Agosto, 2010, p. 56-63.
http://dl.dropbox.com/u/5909063/GEF152/Revista_Investigaci__n_y_Ciencia__407__AGOSTO_2010.pdf


Capítulo 1 do livro texto: Danos causados pelos incêndios.


Soares, R.V. Estatísticas dos incêndios florestais no Brasil. In: Soares, R.V.; Batista, A.C.; Nunes, J.R.S. Incêndios florestais no Brasil: estado da arte. Curitiba, 2009. pp.1-20.



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